Quando exigido pelo estúdio para montar
O Poderoso Chefão com no máximo 2h15m de duração, Francis Ford Coppola enxugou o filme, cortando tudo que não era estritamente fundamental para a trama, e com algum esforço chegou a 2h20m. O resultado disso foi um telefonema mal-humorado do executivo Robert Evans: “Eu pedi um filme, você me deu um trailer!” E assim Coppola pôde voltar à duração original de 3 horas, que é o filme que conhecemos. A versão mais curta, diz o diretor, preservava a trama principal, mas todo o material humano havia sido cortado. Permanecia o enredo, mas sem a cor.
A Bússola de Ouro não teve a mesma sorte. Acabou nos cinemas como um filme com 1h53m de duração, onde subsiste o enredo, mas falta o material humano. O filme é um longo trailer para um filme mais sombrio, mais profundo e mais emocionante, ainda não lançado: a versão do diretor e roteirista, Chris Weitz. A versão lançada nos cinemas não é o filme que ele queria... e há vários motivos para crer que o filme, se fosse da maneira que ele desejava, seria muito melhor.
Não se sabe ao certo de onde partiram as decisões fatídicas que fizeram com que
A Bússola de Ouro, originalmente um filme muito promissor, resultasse numa obra mediana e não bem sucedida em bilheteria. Mas não há dúvida de que as decisões mais prejudiciais, tomadas dois meses antes da estréia e contra a vontade do diretor, foram estas: 1) a eliminação da seqüência final (para ser então usada na abertura do segundo filme, sobre o qual ainda não se tem notícias) e 2) a inversão da ordem cronológica dos acontecimentos ambientados, respectivamente, na estação experimental de Bolvangar e em Svalbard, o reino dos ursos.
Por que, do ponto de vista cinematográfico (portanto sem comparações com o livro nem entrar no mérito da fidelidade ao original-- este texto não pretende comparar o livro com o filme, mas a versão lançada nos cinemas com a versão original do diretor, até onde se pode reconstituir a visão de Weitz), essas duas modificações foram particularmente tão danosas?
A primeira delas, porque simplesmente eliminou o clímax do filme, o que por si só é extremamente empobrecedor. Eliminou-se da projeção um final que seria intenso, surpreendente e emocionante, a julgar pelo material visto nos trailers e nos storyboards do diretor anterior, Anand Tucker, baseados no roteiro de Chris Weitz, e pelas declarações do próprio Weitz, que considerava essa seqüência um “grande momento emocional” e comparava à despedida de Rhett Butler e Scarlett no clássico final de
E o Vento Levou. Essas cenas finais apresentariam, ainda, as impressionantes imagens da aurora boreal revelando o caminho para o outro universo, abrindo uma cortina no céu para uma bela cidade renascentista (momento que os técnicos dos efeitos especiais consideraram o mais desafiador do filme), o encontro entre os personagens de Nicole Kidman e Daniel Craig, o trágico desfecho da missão de resgate de Lyra (Dakota Blue Richards) e a sua motivação de encontrar a fonte do Pó antes de seus inimigos. Portanto um final que, mais provavelmente, faria o público sair da sala satisfeito e ansioso pelo segundo filme e/ou com vontade de assistir outra vez o primeiro.
Em vez disso, a versão lançada nos cinemas usa um final emocionalmente insatisfatório, com um anti-clímax revoltante— tanto para os fãs do livro, por saberem e esperarem o que deveria acontecer depois, quanto para o público que não leu o livro, que tem sua expectativa destruída por um final repentino e sem graça. É como terminar
Guerra nas Estrelas quando a frota rebelde se aproxima da Estrela da Morte, e colocar a batalha no início de
O Império Contra-Ataca. Quando aparecem os créditos, o público se faz a mesma pergunta do rei urso: “Isso é tudo?”
O anti-clímax também é conseqüência da segunda modificação, obviamente feita em virtude da primeira, e que também muito comprometeu o ritmo e o desenvolvimento do filme, resultando em uma montagem bastante desnivelada: é fácil ter a impressão de que a partir da metade do filme em diante, a qualidade decai bruscamente e a história se perde. Eis por quê.
No roteiro e na montagem original de Chris Weitz, Lyra era seqüestrada pelos caçadores no acampamento gípcio e entregue em Bolvangar, onde descobria que Lorde Asriel (Craig) era prisioneiro na fortaleza dos ursos. Após os eventos na Estação Experimental, ela partia para Svalbard e, devido a uma tempestade, era separada do grupo e levada ao rei urso, culminando na luta entre os ursos Iorek e Ragnar, o grande momento de ação do filme.
Sem dúvida essa ordem cronológica original tem uma fluência e coerência que se perderam com a inversão dos acontecimentos. Na versão final, Lyra é levada pelos caçadores ao rei urso e resgatada por Iorek, que reassume o trono, e daí prosseguem o caminho para Bolvangar, enquanto Lorde Asriel não é prisioneiro de ninguém. Ora, com isso a luta dos ursos, que deveria ser uma cena-chave porque daquilo dependia o resgate de Lorde Asriel e todos os acontecimentos posteriores, perdeu a importância essencial, e Svalbard se tornou um mero desvio na história: uma seqüência de ação sem muito significado dentro do enredo, quase supérflua, quando devia ser um momento fundamental.
Além disso, a incômoda sensação de anti-clímax se agrava pelo fato de que, após a luta entre Iorek e Ragnar, o ritmo decresce, não há nenhuma outra cena mais empolgante do que essa pelo resto do filme, que volta ao enredo depois desse desvio e ainda roda por mais meia hora. A cena da guilhotina prateada e a batalha contra os tártaros são aquém do duelo entre os ursos e funcionariam melhor antes dele, com o ritmo do filme crescendo, e não depois. O ritmo em si fica bastante comprometido quando, logo após a vitória de Iorek, sem “momento para respirar”, há uma transição brusca e aparecem ele e Lyra correndo para Bolvangar e chegando a uma ponte de gelo, em um corte grosseiramente desarmônico. A cena dá uma grande sensação de estar fora do lugar.
E na verdade está mesmo. Originalmente a cena da ponte de gelo seria logo antecedente à seqüência final do filme, e prepararia para o clímax emocional na aurora boreal. Além disso, seria acrescido o suspense de saber que resta pouco tempo a Lyra para salvar seu amigo Roger no outro lado da ponte, ao mesmo tempo em que uma aeronave de guerra ataca a fortaleza dos ursos. Na versão final esses recursos foram desperdiçados, e a cena correspondente perdeu o impacto que deveria provocar. Eu arriscaria dizer, na versão final essa cena ficou bastante tediosa e sem propósito.
E mais: em Bolvangar, Lyra escuta a Sra. Coulter (Kidman) dizer que Lorde Asriel subornou os captores e construiu um laboratório. Na versão original, Lyra escutaria que Asriel está preso, afinal já tinha sido mostrada, anteriormente, uma seqüência de ação onde ele era capturado nas montanhas por caçadores samoiedes. Mas como na versão final a fortaleza dos ursos foi transferida para
antes de Bolvangar e Lyra já havia passado por lá, não faria sentido Asriel ser prisioneiro do rei-urso, de forma que o diálogo sobre a prisão foi substituído por essa informação sobre o suborno. Apesar disso a cena onde Asriel é capturado continuou na versão final. Ora, por que deixar lá uma seqüência que mostra Asriel sendo preso... só para depois dizer que ele
na verdade não foi?! Outra seqüência importante que ficou inválida e virou apenas um vago momento de ação no filme, sem significado no enredo, e até incoerente.
São esses os defeitos mais graves, porém podemos chamar ainda atenção para outras cenas promissoras, de desenvolvimento de personagens e aprofundamento de enredo, que foram excluídas, presumivelmente para manter o filme com menos de duas horas de duração. Storyboards oficiais, entrevistas, vídeos divulgados na internet e outras fontes, como livros ilustrados do filme, fornecem uma boa noção do ótimo material que não chegou ao cinema— e até agora, nem ao dvd.
Não apenas no fim e no meio a versão de cinema tem problemas, como no início também. O filme começa com um travelling de uma rua na Oxford do nosso mundo, através de uma “janela” para a Oxford de Lyra, então ouvimos um voice-over de Serafina Pekkala apresentando os povos daquele mundo—ursos, gípcios e bruxas-- à la Senhor dos Anéis, e explicando o que são os daemons e o aletômetro. Bom, esse início da versão do estúdio não parece ser o que Chris Weitz originalmente concebeu, escreveu e filmou. Pelas seguintes razões: Primeiro, podemos notar que quase todas as tomadas durante as explicações de Serafina são tiradas de outras partes do filme. E na prévia de cinco minutos há uma (bela) cena excluída em que Lyra caminha através de um corredor, seguida de perto por um rato, que é seguido por um gato. O rato vira na direção do gato, e se transforma ele próprio em um gato. Enquanto o gato real sai correndo, o gato transformado vira-se na direção da tela e diz: “Que estranho. Até parece que ele nunca viu o daemon de uma pessoa antes.”
Parece óbvio que Chris Weitz tinha a intenção de apresentar os daemons no filme não com uma explicação simplista em voice-over , mas com esta cena bastante engenhosa, que visualmente mostra que os daemons mudam de forma, falam e são de alguma forma conectados aos seres humanos, além de cada pessoa ter um daemon. Seria uma abertura e muito mais instigante e uma introdução mais interessante e surpreendente àquele novo mundo e aos daemons.
Tanto o diretor Chris Weitz quanto a atriz Eva Green sentiram falta da sub-trama do relacionamento entre a bruxa Serafina Pekkala (Green) e o gípcio Farder Coram (Tom Courtenay), que na versão final foi reduzida a uma breve referência apenas. Serafina fica invisível quando visita o navio dos gípcios para aconselhar Lyra, e na seqüência completa, ela vê seu antigo amante mas não se mostra para ele, apenas pede para Lyra entregar-lhe um galho de pinheiro-nubígeno como demonstração de afeto; Eva Green descreve a cena da seguinte forma: “Ele não pode vê-la, e isso é doloroso para ela também. Então quando ele sobe no convés, ela desaparece, e ele pode senti-la, ou ao menos ele sente alguma coisa, mas ele desce de volta, muito triste. Isso a faz chorar.”
Na versão final, não só perdemos esse toque emocional, como também a visita de Serafina no convés do Nooderlicht é extremamente rápida e quase aleatória, com um diálogo que pouco justifica a entrada da personagem em cena, e menos ainda o motivo de Lyra se afeiçoar a ela.
Em seu roteiro, Chris Weitz escreveu para essa cena um ótimo diálogo, que consta nos storyboards. Na versão final, restou cerca de 1/3 do diálogo apenas: a parte em que Serafina Pekkala fala sobre Bolvangar. Foram cortadas as referências aos ursos e à guerra, bem como uma interessante fala, vista em vídeos dos bastidores, na qual Serafina adverte Lyra: “A grande guerra. Não sei de que lado as bruxas vão ficar. Na próxima vez em que nos encontrarmos, poderemos ser amigas ou inimigas.” Tampouco consta a tomada das estrelas cadentes e a de Lyra se esgueirando para fora da cabine, ainda chocada por ter visto, anteriormente, um gípcio ferido morrer conforme a bússola de ouro previra.
Essa cena da morte do espião gípcio, também excluída, certamente fez falta. Esse acontecimento deixa claro para Lyra que ela embarcou em uma jornada realmente perigosa, onde pessoas estão morrendo enquanto os inimigos a procuram— o que justificaria o diálogo subseqüente onde Lyra confessa a seu daemon que está assustada com aquilo em que se envolveram. Na versão final, porém, dá a entender que Lyra ficou intimidada e quer voltar para casa por causa de duas vespas mecânicas que tentaram pegar a bússola de ouro.
Todo o tempo (e interação) de Lyra com os gípcios é muito reduzido. No final do filme, a despedida é brusca. Na verdade, ela mal acontece: Lyra troca um olhar com rei dos gípcios, e eles simplesmente vão embora. Em um vídeo dos bastidores há um momento interessante, em que Serafina Pekkala não só reencontra finalmente seu ex-amante humano, como promete a ele que vai proteger Lyra dali em diante. E Farder Coram diria: "Seja qual for o lado que você vai escolher no que está por vir, faça com que seja o lado de Lyra." Sem esses momentos de desenvolvimento de personagem não dá tempo de o público se afeiçoar pelos personagens secundários, nem entender por que Lyra o faz.
Outra cena que era “consideravelmente longa, e foi reduzida ao essencial”, nas palavras do diretor nos comentários do dvd, é o diálogo entre Frei Pavel (Simon McBurney) e o Emissário Magisterial (Derek Jacobi). Na versão final os dois vilões conversam vagamente sobre Intercisão e suspeitam da Sra. Coulter. Nos trailers há duas falas dessa cena que não chegaram à versão final. O Emissário dizendo: “A lealdade dela será devidamente testada”, certamente se referindo à Sra. Coulter, que na cena seguinte é mostrada tendo sentimentos conflituosos; e Frei Pavel perguntando: “O que foi divulgado sobre a menina Belacqua? Os rumores atravessaram o país.” Detalhes que, se não são imprescindíveis, tratariam melhor das motivações dos vilões.
Também a respeito dessa cena, na prévia de 5 minutos há algumas tomadas excluídas, como o Emissário passando algum tipo de relatório a um assistente, e uma interessante tomada de cima, ambas com uma bela fotografia. A tomada excluída em que o Emissário fala sobre o teste de lealdade da Sra. Coulter também tem uma ótima composição: o Cálice no plano de fundo do Emissário é visualmente forte e cheio de significado, quando se trata de lealdade, fé, sacrifício e, é claro, Autoridade. A cena teve muito a perder com essas exclusões.
(Sem falar que a inscrição no símbolo do Magisterium no piso, “Unica Ecclesia Super Omnia” [Uma Igreja Sobre Todas] foi deletada na versão final da New Line. O que é até compreensível, mas bastante desnecessário, por apagar uma sutileza, e uma boa obra do Departamento de Arte.)
Outro momento excluído que explora os vilões é quando os soldados do Magisterium invadem a Faculdade Jordan para prender o Reitor. De acordo com os storyboards, na versão original, onde esta cena acontecia pouco depois da partida de Lyra com a Sra. Coulter, o Reitor observaria enquanto o zepelim decola (!), teria um diálogo com o Bibliotecário, e então seria preso. Na versão exibida nos cinemas, onde essa cena foi adiantada para duas cenas mais cedo (antes de ele dar a Lyra o aletômetro), o Reitor observa o zepelim ainda no solo (!), fala parte do diálogo com o Bibliotecário, e não ocorre a invasão à Faculdade, nem a prisão do Reitor.
Bom, eu não diria que a cena da prisão é primariamente essencial, mas explicaria melhor o porquê de o Reitor dar a Lyra a bússola antes que o Magisterium consiga se apossar do objeto no saque à Faculdade, bem como adicionaria alguma ação e/ou tensão. Sendo que na prévia de 5 minutos vemos a tomada do Reitor olhando enquanto o zepelim decola (!), e no trailer de cinema vemos um soldado do Magisterium arrombando uma porta na Faculdade Jordan, podemos presumir que o destino do Reitor estava na visão original de Chris Weitz.
Mas nem só longas seqüências fazem a diferença. Alguns problemas da montagem são tão sutis, que quatro ou cinco segundos a mais resolveriam. Por exemplo, a primeira aparição da Sra. Coulter: a cena antecedente termina com a governanta penteando o cabelo de Lyra, então corta para um plano geral do grande salão, vemos a Sra. Coulter caminhando até a mesa, ouvimos a voz do Reitor repreendendo Lyra, e finalmente vemos Lyra. É uma transição estranha, de certa forma desarmônica. Ficaria mais fluente se aparecesse primeiro Lyra entediada na mesa, então o Reitor começasse a repreendê-la, e depois víssemos a Sra. Coulter atravessando o salão durante a fala do Reitor, até ela chegar à mesa e interrompê-lo. Curiosamente, no storyboard a cena é exatamente assim.
Nessa seqüência, também foi excluído um diálogo de aproximação entre Lyra e a Sra. Coulter, onde a menina conta sobre a morte de seus pais e sobre Lorde Asriel, e Coulter responde: “Que história fascinante.” Ajudaria a tornar mais crível quando a Sra. Coulter convida a garota para ser sua assistente, sob o pretexto de poder confiar nela.
Podemos acrescentar que um detalhe supostamente estaria em algum lugar entre essa cena e a partida de Lyra com a Sra. Coulter: a informação de que Jessie Reynolds, a sobrinha da governanta, teria sido levada pelos Papões (Gobblers). Deve ser a razão pela qual a governanta, Sra. Lonsdale, parece tão chorosa e preocupada em sua próxima e última cena, quando o Reitor lhe pede que fique na porta conferindo se ele foi seguido.
Essa informação suprimida teria sustentado a tensão e tornado mais palpável o horror do que os Papões estão fazendo, o que na versão final é bem vago e relativamente leve. Ora, a versão do cinema, com nada mais do que Lyra falando levianamente a Roger que os Papões estão raptando criannças, não faz o Conselho de Oblação parecer tão terrível àquela altura. Essa omissão (bem como a exclusão da prisão do Reitor) suaviza a sensação de perigo, e quando Lyra descobre que a Sra. Colter está no comando dos Papões, não parece grande coisa. Tais exclusões, como muitas outras, fazem faltar no filme o drama genuíno e o impacto emocional.
A vida de Lyra na casa da Sra. Coulter também é montada de forma apressada, em flashes rápidos. A fala da Sra. Coulter no vídeo da pré-produção, comparando Londres com a sociedade dos ursos de armadura, foi retirada. A chegada na casa de Coulter presume-se originalmente mais longa, já que temos vislumbres de tomadas inéditas dessas cenas em uma prévia de 5 minutos, por exemplo a Sra. Coulter dizendo "Espero que sejamos felizes aqui", e Lyra entrando em seu quarto parecendo bem feliz. Bem, não tem nada particularmente errado com a edição em flashes rápidos, mas talvez esse ponto da história pudesse ser mais explorado, para adicionar consistência.
Por exemplo, em um vídeo ambiental no DVD, vemos a Sra. Coulter dar um beijo de boa noite em Lyra. Podemos inferir que essa tomada é da cena em que Lyra está tentando decifrar a bússola, até que a Sra. Coulter entra e Lyra esconde depressa o instrumento debaixo do travesseiro. Coulter diz: "Está limpa e pronta para dormir?" e a cena termina. Se a cena tivesse prosseguido e Coulter se aproximado da cama para beijar Lyra, haveria uma tensão continuada, que no entanto é interrompida porque a cena acaba justamente quando se cria um suspense com a entrada de Coulter.
A festa em Londres era uma cena mais longa, segundo artigo da New York Magazine (07/12/07). Esse artigo, que compara o roteiro de Tom Stoppard (o qual o estúdio rejeitou) com o roteiro de Chris Weitz, e este com a versão final do filme, refere-se a essa e outras cenas deixadas de fora e pergunta: “Por que isso tudo foi cortado? (...) Por que
A Bússola de Ouro precisou se limitar a duas horas? Certamente
O Senhor dos Anéis provou que grandes épicos podem ter duração épica e continuar bem sucedidos. (...) No fim foi essa decisão mais do que qualquer outra que condenou
A Bússola de Ouro à mediocridade.” E ainda: “O roteiro original de Weitz na verdade era ótimo e nos deixa tristes com o que o filme poderia ter sido.”
Sem dúvida é de se estranhar que um épico com a amplitude e profundidade de
A Bússola de Ouro realmente precise de uma montagem tão corrida e compactada, sem espaço para desenvolver seus personagens e manter sutilezas. Obviamente não se pode pôr tudo de um livro de 400 páginas em um filme, mas o roteiro de Weitz tinha tudo que um filme precisa para ser ótimo, e cabendo dentro de 3 horas em média. Os próprios trailers e spots de televisão sugeriam um filme bastante diferente daquilo que acabou sendo, para a decepção do público que esperava que a trilogia Fronteiras do Universo fosse a próxima experiência cinematográfica de fantasia com a magnitude de
O Senhor dos Anéis, como as propagandas davam a entender.
E não seria impossível suprir essa expectativa, se o filme tivesse sido devidamente apresentado. No final das contas, para fazer de
A Bússola de Ouro um filme excelente não é preciso filmar de novo, pois em todas as suas fases o projeto teve muitas qualidades: um roteiro pertinente, bem adaptado e empolgante, direção de arte impressionante, bela fotografia e trilha sonora, um elenco de ponta com boas atuações, uma direção competente e comprometida. Com um trabalho tão bom em todas as instâncias, é triste que tudo tenha se prejudicado em plena montagem final, quando dois meses antes da estréia foram anunciadas as modificações que puseram muito a perder.
Certamente a versão de Chris Weitz está aí em algum lugar— além de nos vídeos de cenas inéditas do filme que vazaram no vídeo-game, e que nos dão idéia de como as modificações fatídicas foram tomadas na última hora. Muitas das cenas cortadas já estavam prontas, ou eram relativamente baratas de se finalizar, uma vez que as seqüências mais dispendiosas já estavam pós-produzidas. Certa vez o próprio diretor manifestou interesse em fazer uma versão mais longa do filme para o DVD, com duas horas e meia de duração (cerca de 40 minutos a mais que a versão de cinema), idéia que Daniel Craig e Eva Green acolhiam com entusiasmo. Logicamente, ainda sem acrescentar o final cortado, que seria usado na abertura do segundo filme.
Mas agora, com as probabilidades de ser produzido o segundo filme parecendo cada vez mais remotas, o que será da seqüencia final, e de tanto material ótimo que não saiu da sala de edição?
Chris Weitz está atualmente dirigindo o segundo filme da série
Crepúsculo (no qual também está envolvido o compositor Alexandre Desplat, de
A Bússola de Ouro), o que obscurece ainda mais as perspectivas quanto à filmagem de
A Faca Sutil e lança dúvidas sobre uma potencial versão do diretor de Bússola. Será que Weitz ainda se sente de alguma forma comprometido com o público de Fronteiras do Universo, que ele considerava o trabalho de sua vida?
Nos extras do DVD ele declara que certas vezes, durante a produção do filme, acessou fóruns e sites de fãs na internet e teve “noites insones” com a falta de confiança que muitos desses fãs demonstravam nele, desacreditando que ele seria a melhor escolha para adaptar a trilogia. Pois bem, hoje é reconhecível que ele fez um ótimo trabalho, tanto como roteirista quanto como diretor. Resta-nos assistir à sua visão original do filme e conferir esse trabalho mais adequadamente, sendo que ele não chegou intacto até nós pela versão lançada nos cinemas.