Sociedade das Almas Perdidas

Ultimamente não se vê por aí seres humanos; o que encontramos nas vastas terras são os profanos, habitantes das alturas de ferro, e fantoches, trancados nos quartos escuros por trás das cortinas que não querem remover. O que resta, então, são os hereges, as almas perdidas, rondando nos exterior das torres, em derredor do imenso campo enevoado. Onde estão as fronteiras? Onde está o limite? Quando se chega ao além, ao incognoscível?

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sábado, outubro 27, 2007

Dia da ira (IV)

Semzaja não tinha tanta dificuldade em seduzir mesmo as mulheres que menos lhe interessavam, e procurava-as sem muito critério estético; achava todas belas por serem humanas e tinha preferência pelas que ele mais invejava de algum modo. Inveja sempre fora seu pecado predominante e seria seu tabu se ele achasse possível ignorá-la, mas não conseguindo vencer esse sentimento, usou-o como orientador.
Imaginava, pois, que ao seduzir uma mulher ele provava não ser inferior a ela em nada, e que ao fazê-la se entregar inoculava a inveja, pois tinha a idéia de que não fazia sentido continuar a invejá-las depois de tê-las possuído, assim perdia o interesse após a primeira e única vez e saía em busca de outra.
Eram poucas as que não se encantavam pelo anjo, mas a resistência dessas o abatia e o tornava mais agressivo com as que ele conseguia; até ele perceber que isso geralmente as deixava mais apaixonadas do que ele pretendia, e ele por sua vez ficava mais entediado e frustrado. Naquela altura ele tinha conquistado mais ou menos o mesmo que D. Giovanni na Alemanha, cerca de duzentas e trinta almas.
Justamente depois de escapar dos braços da sua ducentésima trigésima e dos beijos que ela ainda tentava lhe dar, Semjaza passou o dia perambulando e encontrou Azazel junto a outros anjos do bando, seus admiradores mais habituais. Os dois conversaram em particular sobre o que esperavam de sua descendência oriunda de violação da lei do Reino. A progênie dos Vigilantes poderia dominar a terra, e um dia também o céu. Então Semjaza perguntou quantas filhas dos homens Azazel havia conseguido para si, e a resposta por sua vez foi mais ou menos o mesmo que D. Giovanni na Espanha, cerca de mil.
- E quanto a você?- quis saber Azazel.- Algo perto disso, imagino.
- Talvez seja, eu perdi a conta- respondeu Semjaza amuado, e desta vez ele realmente desejava ter a força para ferir seu rival.
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D. Rossini sentou-se em sua cama e ligou o rádio, prosseguindo o réquiem de Verdi no Tuba mirum enquanto Azazel tentava subjugar o demônio. A resistência de Semjaza não durou muito, e no Judicanti responsura ele já estava no chão, com Azazel segurando-o pelos braços e pescoço.
- Espero ter deixado claro- disse D. Rossini depois de pausar a música outra vez- que podemos matá-lo se quisermos, Semjaza. Não tem medo do Juízo? Esse dia ainda chegará, você não pode escapar. Mas pode fazer como Azazel e aguardar em liberdade.
- Ele se considera livre, fazendo serviço para a Igreja?- perguntou Semjaza, e em resposta Azazel apertou lhe mais o pescoço.
- Responda com educação - censurou o arcebispo.
- Não, eu não estou livre- fez o anjo-, mas a vida que tenho aqui não é pior que a no cativeiro. Eu prefiro como estou agora.
- Imaginei que alguém com o seu orgulho negaria esse serviço como condição e continuaria lá mesmo- insistiu Semjaza.
Azazel não respondeu, mas sim D. Rossini:
- O orgulho foi dissipado pelo longo tempo de tortura na punição, entenda. Azazel não suportou os tormentos físicos que lhe infligiam no cativeiro e prefere os tormentos morais de estar a meu serviço, é simples. Só os seres superiores resistem a qualquer provação imposta a sua matéria e escolhem sempre a sublime satisfação apenas do espírito, jamais do corpo. Vocês anjos deviam entender isso mais do que ninguém.
O anjo não se alterou, mas Semjaza pôde deduzir a vergonha que seu antigo rival sentia naquele momento, e disse:
- Se é assim, parece que eu não o conhecia bem, e tive durante muito tempo uma falsa idéia positiva dele. Estou muito decepcionado, D. Rossini, suas palavras me desiludiram sumamente.
- Mas você verá agora que não pode culpá-lo - disse o arcebispo, levantando-se.- Azazel, leve-o para a sala de interrogatório. Você resistiu durante um tempo considerável, mas ele ainda hoje fará a mesma escolha que você, eu garanto.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Tomara que o arcebispo tenha uma surpresa! =)

5:24 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Lavar-ei a sua cara imunda com sangue.
Morderei a sua jugular.
Me embriegar-ei do vinho quente tinto segue por sangue.
E do abismo, atirar-ei seus ossos, quebrados.

Aquebrante-se.

11:59 AM  

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