Sociedade das Almas Perdidas

Ultimamente não se vê por aí seres humanos; o que encontramos nas vastas terras são os profanos, habitantes das alturas de ferro, e fantoches, trancados nos quartos escuros por trás das cortinas que não querem remover. O que resta, então, são os hereges, as almas perdidas, rondando nos exterior das torres, em derredor do imenso campo enevoado. Onde estão as fronteiras? Onde está o limite? Quando se chega ao além, ao incognoscível?

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Local: Belém, Pará, Brazil

segunda-feira, outubro 15, 2007

Oferta Irrecusável (II)

- Estou escutando- respondeu Sikes secamente.
- Essa foi a proposta- disse Semjaza.- Desculpe-me se não fui claro. Vim como proponente de um contrato. Quero fazer um pacto.
- Um pacto de alma?- reclamou Sikes, e fez desmoronar com um safanão algumas torres de dinheiro para poder debruçar-se sobre a escrivaninha.- Está de brincadeira comigo? É ridículo, e além disso não há nada mais absurdo que fazer um pacto desses com um anjo!
- Anjos nem deveriam ter capacidade jurídica- opinou Vinçart.- Não há benefício que venha disso, nem para eles nem para nós. Nesse tipo de contrato, os anjos são inadimplentes natos. Não há pressupostos de validade.
- Deixe-me explicar- fez Semjaza como cansado ou arrependido.- Vocês sabem que não sou um anjo íntegro. É possível que em breve eu me torne um demônio. Talvez, se eu fizer um contrato, esse seja o ato final, e como demônio poderei cumpri-lo. Eu disse que queria definir a minha natureza, e tenho ficado cada vez mais convicto de que ela é demoníaca. Vim à existência como anjo por um erro do Desígnio. Posso ser útil para vocês quando adquirir minha verdadeira identidade. Terei novas habilidades...
- Mas até lá, não temos nada a tratar- interferiu Sikes bruscamente.- Dê meia volta, vá passear nas nuvens e volte quando tiver um rabo pontudo. Ainda assim será mera possibilidade. Você não parece ser nada de especial, e já tenho demônios trabalhando na organização, todos muito eficientes.
- E todos ordinários também, certamente- argumentou Semjaza com mais firmeza.- Não será o meu caso. Quando eu for um demônio, não serei dos pequenos.
- Interessante- disse Vinçart.- Já ouvi falar na hierarquia-- não oficial, mas eminentemente moral--, que os demônios têm entre si, e também em relação a nós humanos, embora não saibamos disso, ou não entendamos bem.
- Os demônios só vêem sentido no mundo de acordo com a beleza- explicou Semjaza-, e nada acham mais belo que o poder. Para eles, toda e qualquer qualidade de um ser é relacionada à capacidade de dominação. Eles se submetem de boa vontade aos mais fortes que os ajudem a dominar os mais fracos que eles próprios. Eu fazia isso até como anjo, mas se me tornar demônio, precisarei de poder, e se me aliar a um homem influente conseguirei muitas fontes. Eles fazem pactos de vassalagem nesse sentido; e humanos fazem com eles em troca das mais variadas dádivas. Negociando-se a alma, negocia-se a vontade e os sentimentos. Um demônio poderoso pode oferecer fortunas a um homem, mas para os demônios a fortuna maior não é material. O contrário também acontece. Fausto poderia ter negociado a alma de Mefistófeles, se tivesse mais a oferecer. Sendo demônio, poderei recompensar devidamente um homem na sua posição, Josef Sikes, por isso vim procurá-lo. Porque até ser um Mefistófeles, e não um Fausto, precisarei de um patrono.
- Por que não procurou o chanceler?- disse Sikes com desprezo.
- O chanceler já tem um demônio contratante à altura.
- Então você se considera à minha altura? Esse foi o pior insulto que me dirigiram em muitos anos! Vocês anjos são ralé.
- Quando eu determinar minha natureza, poderei me considerar à altura de qualquer humano, mas para isso preciso de ajuda. Não exigirei muita coisa, pois a maior parte de minhas necessidades posso eu mesmo suprir. Quero me diferenciar dos demônios ordinários, e em troca posso oferecer muitas coisas valiosas a um homem de negócios.
Sikes trocou um breve olhar com Vinçart, como se parlamentassem telepaticamente, e voltou-se ao anjo:
- Muito bem. Pode dizer os termos do contrato, eu pelo menos vou escutar.