Sociedade das Almas Perdidas

Ultimamente não se vê por aí seres humanos; o que encontramos nas vastas terras são os profanos, habitantes das alturas de ferro, e fantoches, trancados nos quartos escuros por trás das cortinas que não querem remover. O que resta, então, são os hereges, as almas perdidas, rondando nos exterior das torres, em derredor do imenso campo enevoado. Onde estão as fronteiras? Onde está o limite? Quando se chega ao além, ao incognoscível?

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Local: Belém, Pará, Brazil

terça-feira, outubro 23, 2007

Dia da ira (III)

- Carne e osso, quer dizer?- perguntou Semjaza ansioso.
- É claro- disse Azazel com evidente desprezo por sua forma etérea e luminosa de anjo.- Sem dúvida é possível. Se conseguimos ver a Terra, e eventualmente descer até lá em espírito, e até conseguir contato remoto com os seres humanos, e eles conseguem chegar até aqui em espírito, podemos chegar lá em carne e osso.
- É uma idéia perigosa- avisou Semjaza. Ele de vez em quando olhava ao redor para ter certeza de que a conversa não tinha espectadores inesperados.
- Se ela der certo, não teremos nada a temer- comentou Azazel.- Ninguém poderá nos alcançar na terra. Seremos livres do Demiurgo.
- Sua ambição está indo mais longe. Eu acho melhor esquecermos esse projeto.
- Não seja covarde- reclamou Azazel.
Ele empurrou o companheiro até os feixes de luz onde podiam observar a Terra.
- Veja a progênie dos homens- continuou ele-, e como são belas suas filhas. Gosta de alguma, ou de várias? Como se sente por não poder alcançá-las?
Semjaza não respondeu, e se afastou da visão com raiva.
- Por que anjos?- disse mais tarde.- Devíamos ter sido homens.
- Inveja é pecado- falou Azazel, como instigação e não censura.- E isso pode ser resolvido. Podemos deixar de sentir inveja dos homens se os conhecermos mais de perto, é tudo muito diferente de olhar daqui. Podemos ser melhores que eles, se assumirmos forma corpórea naquele mundo.
- É verdade- disse Semjaza esperançoso.- Os pecados mais graves cometeríamos se tivéssemos sucesso. E não suporto mais, meu desejo é mais intenso que o medo das conseqüências. Que faremos?
- Eu cuido disso. Conheço muitos que odeiam o Demiurgo, e farei com que se aliem a nós nessa ambição, quase duas centenas eu garanto que me seguirão. Mas se quisermos organizar um movimento, você deve ser o líder, porque é de hierarquia mais elevada que a minha.
- Apesar disso, acho que você deve liderar- fez Semjaza como admitindo algo que não queria.
- Não se sinta inseguro- disse Azazel.- Siga as minhas instruções e será um bom líder para o movimento. Além disso, você está mais apaixonado que eu pelas filhas dos homens, isso lhe dará mais coragem, e facilitará que nos tornemos como homens.
- Como fazer isso?
- Se todos nós dirigirmos nossas vontades e nossa intenção de coabitar com os humanos, faremos um juramento em nome dessa violação, e teremos natureza de matéria, pois nossos sentimentos são dessa natureza.
Semjaza concordou, e em pouco tempo duas centenas de anjos aderiram à causa através de Azazel. No topo do monte Armon, uniram-se a Semzaja por juramento, e desceram à terra, alados e luminosos, mas com aparência e sentimentos humanos.
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- Ele nunca saiu da linha que eu tracei- disse Azazel, postado entre o demônio caído e D. Rossini.- Apesar de ele ser o líder do movimento, não consegui esconder dos inimigos que era eu quem dava as ordens, assim ele não fui punido com mais rigor do que eu.
Semjaza levantou-se e tentou encarar seu antigo companheiro, mas baixou os olhos pouco em seguida, não só por estar intimidado, mas para procurar a espada também. Ela estava em um canto mais distante.
- Já é o suficiente para aceitar os meus termos, Semjaza?- perguntou D. Rossini.- Ou Azazel precisa lhe trazer mais lembranças inconvenientes?
- O que fazem juntos?- perguntou Semjaza com alguma timidez.
- Ele já me contou tudo, sobre como vocês fizeram juramento execrável, seduziram mulheres e copularam com elas, e ensinaram sortilégios às pessoas, provocaram rivalidade e genocídio, infestaram a terra de pecado e todo tipo de malefício. Azazel está a meu serviço como pagamento por seus crimes, foi essa a condição para o Demiurgo libertá-lo de seu cativeiro. Mas podemos explicar tudo mais tarde, depois que estivermos resolvido, aí vocês colocam suas fofocas em dia. O que me diz?
Semjaza fitou D. Rossini em vez da figura daquele anjo que ainda lhe parecia extremamente imponente, mais do que sua própria forma de demônio.
- Ainda não me convenceu de que devo me render- blefou ele.- Já falei que não tenho mais vínculo com minha forma anterior. Azazel também não é o mesmo de antes, se aceitou esta liberdade condicional servil.
- Por via das dúvidas, mostre a ele os nossos motivos- suspirou o arcebispo para o anjo, e Azazel saltou sobre o entorpecido Semjaza antes de a ordem terminar de ser dada.