Sociedade das Almas Perdidas

Ultimamente não se vê por aí seres humanos; o que encontramos nas vastas terras são os profanos, habitantes das alturas de ferro, e fantoches, trancados nos quartos escuros por trás das cortinas que não querem remover. O que resta, então, são os hereges, as almas perdidas, rondando nos exterior das torres, em derredor do imenso campo enevoado. Onde estão as fronteiras? Onde está o limite? Quando se chega ao além, ao incognoscível?

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sábado, outubro 13, 2007

Oferta Irrecusável (I)

Sikes jogou fora o charuto pela janela e tombou na cadeira confortável por trás da escrivaninha de mogno. O advogado, Vinçart, permanecia sentado no sofá perpendicular à mesa, tirando dinheiro de uma vasta maleta para contá-lo e passar a Sikes em maços mais espessos que os códigos e livros jurídicos que preenchiam a estante próxima à porta do escritório.
- Pelos meus cálculos, já alcançamos a soma suficiente para o financiamento do projeto final- comentou Vinçart casualmente ao lançar no ar um maço de notas na direção do sócio.- Podemos dispensar o resto dos clientes.
- Sim, faça isso- disse Sikes, contemplando o dinheiro que formava grandes colunas sobre a escrivaninha, e Vinçart saiu do escritório.
Sikes levantou-se e ficou rodando ansioso pela sala. Conseguir todo o dinheiro necessário para o seu mais ambicioso projeto deixara-o angustiado e desnorteado. Ele era sumamente rico, mas suas empreitadas de praxe também eram invulgarmente custosas. Várias se tratavam de mega-operações criminosas convencionais, que geravam lucro para alimentar outras duas ou três investidas, expandindo suas conquistas de territórios do submundo; porém as mais secretas possuíam custo e significado muito mais elevados, extraordinários, e não gerariam um só centavo em retorno.
Ele estava a refletir sobre isso quando Vinçart entrou de volta no escritório dizendo:
- Mandei todos os clientes embora, mas há um sujeito que insiste em lhe falar. Parece que driblou os seguranças e fingiu ser cliente, mas está limpo.
Sikes soprou a fumaça do charuto.
- É mesmo? Que tipo de homem é esse que invade a firma e insiste em falar comigo? Há muito tempo não vejo um parecido; parece que ficaram mais raros, talvez por eu ter matado vários. Então?
- É um anjo. Diz que se chama Semjaza, e que quer trabalhar aqui.
- Bem, diga que não empregamos anjos, por razões óbvias; e pela insolência mande-o para ter uma conversa com S. Pedro no céu.
- Na verdade- acrescentou Vinçart-, ele não é um anjo completo. Está em fase de transição. A qualquer momento, se instigado, pode se converter em demônio, e aí sim terá utilidade para nós. Creio que podemos considerá-lo.
- Está bem, vamos avaliá-lo- sentenciou Sikes, atirando o charuto pela janela.- Chame-o.

Segundos depois, Vinçart entrou novamente na sala com a figura luminosa. Sentou-se no sofá e o anjo ficou de pé diante da escrivaninha, encarando o notório gângster.
- Menos luz- resmungou Sikes por trás das torres de dinheiro.
O anjo assumiu feição quase humana. As asas pareciam não muito mais do que fumaça em uma leve cortina luminosa.
- Pois bem- continuou o chefão do crime-, quer trabalhar na minha organização? Estou insultado por você ter pensado que eu o consideraria sem mais nem menos, só porque conseguiu entrar aqui. Tem o aspecto de quem acaba de tomar uma surra. Por que acha que eu o empregaria? Desembuche, sei que gente do seu tipo não viria falar comigo sem uma oferta. O que tem para mim?
- Primeiro, minhas saudações, Josef Sikes, e depois minhas habilidades. Quero trabalhar aqui- disse o anjo em tom humilde, mas inflexível.
- De que grau na hierarquia você é?
- Eu era da nona ordem, querubim- respondeu o anjo com indiferença-, mas hoje sou o que chamam de anjo decaído.
- Não me lembro de nenhum querubim chamado Semjaza. Aliás, nunca ouvi esse nome na minha vida. Sr. Vinçart, este sujeito consta em nossos arquivos?
- É certo que não, mas ele consta em um documento apócrifo de estudo das ordens. É um dos Vigilantes, se não estou enganado. Isso procede, anjo?
- Não sei. Em breve talvez eu assuma definitivamente a natureza demoníaca, mas espero oferecer meus serviços antes disso.
- Com que intenção?- questionou Sikes.
- Definir a minha natureza- disse o anjo simplesmente.- Podemos nos ajudar um ao outro nessa matéria, Josef Sikes. Eu tenho uma proposta.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Será que anjos caidos fazem propostas indecentes? =P

Curiosa e já adorando. Quero mais!

1:48 AM  

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