Sociedade das Almas Perdidas

Ultimamente não se vê por aí seres humanos; o que encontramos nas vastas terras são os profanos, habitantes das alturas de ferro, e fantoches, trancados nos quartos escuros por trás das cortinas que não querem remover. O que resta, então, são os hereges, as almas perdidas, rondando nos exterior das torres, em derredor do imenso campo enevoado. Onde estão as fronteiras? Onde está o limite? Quando se chega ao além, ao incognoscível?

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terça-feira, agosto 23, 2005

Anjo Caído (I)

"Conto panfletário" feito praticamente sob encomenda.
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Estava eu conversando com meu amigo Semjaza a respeito da evolução dos seres vivos. Dizia eu que o ser humano, especificamente, é uma criatura basicamente predisposta à felicidade, ao que ele respondia com ceticismo e ironia, afirmando por sua vez que ser infeliz é a grande sede da humanidade, a qual teria o suicídio coletivo como única opção se conseguisse alcançar uma felicidade em demasia.
- Como pode- questionei- alguém pôr fim à própria vida justamente quando deveria aproveitar a aquisição da felicidade? Haverá alguém que atire suas recompensas ao lixo? Não creio que o homem não tenha vontade de atingir uma meta e desfrutar ao máximo desse sucesso.
Semjaza riu-se de minhas palavras; não necessariamente com sarcasmo, mas como quem escuta a opinião de uma criança e não resiste ao gracejo.
- Há muitos- disse ele- que atiram suas recompensas ao lixo, e muitos mais que não demonstram satisfação em atingir qualquer meta possível, pois o sucesso encerra a esperança. Uns chamam de ambição, mas eu chamo de justificativa; e no final das contas, quando não há esperança de seguir além, todas as criaturas desistem de agarrar-se à evolução.
- Justificativa? Para quê?
- Para tudo, ora. Não se faz nada sem algo que se possa apresentar como justificativa para o ato.
Pensei comigo mesmo sobre a questão, tentando lembrar se já havia agido sem razões definidas. Fitando o meu amigo, a resposta veio logo.
- Não precisei de justificativa para adotar você, um anjo caído. Aceitei-o, e isso é tudo.
- Errado. Você me aceitou porque precisava de companhia, e eu apareci no momento oportuno. Se eu tivesse surgido enquanto você era componente de um grupo qualquer, sei que teria me dispensado e preferido continuar com amigos nos quais você depositava sua confiança não-correspondida. É óbvio que, se não fosse sua solidão aguda, não daria valor a minha companhia.
- Não é verdade!- respondi indignado.- Acha que sou interesseiro? Não gosto de você por simplesmente me fazer companhia, mas por me ser a melhor delas. Eu não teria feito o pacto de união se tivesse a menor perspectiva de me arrepender depois.
- Ah, sim...- sussurrou ele.- Acontece que monopolizei a sua amizade, então sem concorrentes não sei o quanto valho. Além do mais, eu o ajudo; nesse caso, voltando a falar sobre evolução dos seres, você progrediu ao me aceitar, e talvez eu possa dizer o mesmo de minha parte. Concorda?
- Decerto. Quem além de você conseguiu me mostrar um pouco mais de como é a sensação de liberdade?
Dito isso, receei tê-lo magoado; pois ele me contava coisas sobre outras realidades, fatos de tempos remotos, descrevia regiões vastíssimas de pontos distantes do universo: Era o que Semjaza tivera por liberdade e agora, unindo-se comigo em juramento mútuo, talvez nunca mais a tivesse, pois estava limitado à minha realidade, a este mundo, e assim tinha sido desde que ele, após a decisiva rebelião contra o Demiurgo, fora vencido e fugido dos reinos superiores. Caindo a este plano, desamparado e agonizante, precisava de um simbionte para sobreviver, e eu me comprometi a preencher essa necessidade.
- A liberdade...- eu repeti em voz baixa, olhando para as nuvens de chuva que se aproximavam.- Deve ser maravilhosa, não?
- Costumava ser- ele respondeu secamente, olhos fixos na relva e uma expressão abatida de nostalgia.
- Mas vamos, ela não está perdida ao todo. Lembre-se do que disse sobre ambição e justificativa: eis a sua esperança, e você tem alguma. Então me diga, qual sua ambição? Como é que você se sentiria verdadeiramente livre?
Semjaza cruzou os braços e olhou na direção do céu imenso, cheio de construções de luz e névoa.
- Se eu pudesse voar outra vez. Sim, voar, e com as mesmas asas de antigamente, contra o vento, acima daquelas tempestades que estão vindo, até chegar a lugares que nunca vi, e lá das alturas observar o sol nascer e minguar por trás de montanhas muito abaixo. Talvez seja apenas por essa esperança que continuo vivendo. Se eu conseguisse essa recompensa, guardaria para não soltar mais; Se encontrasse essa felicidade, desejaria viver para sempre.
Enquanto ficamos ambos em silêncio, escutando a canção lacrimosa que o vento frio soprava pelas folhas, garanti a mim mesmo que nenhuma criatura desiste de agarrar-se à evolução.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Não sei direito o que dizer...fiquei muito pensativo lendo isso...parece que a coisa aí bateu em cheio em alguma ferida, que eu nem sei onde dói...
Mas sussa...uma soneca e eu to vivo de novo ^-^
Abraços,
Diego

9:40 PM  
Blogger Thiago Nebuloni disse...

Ou seja, ninguém faz algo sem esperar receber uma recompensa no final.

6:30 PM  

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